A palavra latina “scrupulus” é um substantivo que significa pedrinha. Se aparece uma no sapato e é aguda, pode causar dor cada vez maior.
Pessoas que buscam viver no caminho da santidade são acometidas de escrúpulos, porque desenvolvem uma consciência sempre mais delicada e sensível a pequenas faltas. Isso é sadio, porque brota da experiência da g raça e da misericórdia de Deus.
O problema surge quando a escrupulosidade está essencialmente ligada ao legalismo farisaico. A consciência torna-se escrupulosa porque se propõe alcançar a perfeição através do cumprimento minucioso da lei. Pensa conseguir a justiça salvífica pelo próprio esforço em ser fiel à lei.
A escrupulosidade faz parte daquele gênero de conduta autopunitiva, ditada por um sentimento inconsciente de autocondenação e por uma consequente necessidade de expiação. Manifesta – se por dúvidas excessivas que tem por objeto a conduta do indivíduo de ser perdoado. Man ifesta – se, ainda, por gestos repetitivos, com finalidade expiatória, formas exageradas de ascetismo, rituais propiciatórios, “confissões” mecânicas e busca contínua de uma confirmação dos outros. E tudo sempre com uma pontinha de exibicionismo e a esperta pretensão de perfeição.
Os escrúpulos são típicos de uma pessoa perfeccionista.
O desejo de perfeição é confundido com um sonho de infalibilidade (“eu não posso errar”). Isso leva o indivíduo a ensimesmar – se e a concentrar toda a sua atenção, de modo metic uloso e quase obsessivo, na moralidade de seus atos. O indivíduo quase toma o lugar de Deus para definir o que é bem e o que é mal para si mesmo e programa um plano de objetivos muito difícil de se atingir, mas que satisfaz as próprias ambições espirituais . Ele próprio é quem define as condições precisas que tornam correta, ou perfeita, sua conduta.
Não percebe que, agindo desse modo, está impondo uma perfeição legalista aos seus atos e lhes dando importância excessiva, como se a salvação dependesse deles, com o risco de não levar em consideração os valores básicos que devem ser vividos no dia – a – dia e que não projetam visivelmente o “eu” (o serviço, a gratuidade, a solidariedade, o perdão…).
Quanto maiores forem as expectativas perfeccionistas, tanto mais prováveis serão as quedas, quer porque as pretensões são irrealizáveis, quer porque o indivíduo vive numa tensão e numa cobrança insuportáveis que lhe tiram as energias e o tornam mais vulnerável.
Ecom as quedas vem a desilusão, a desconfiança, a raiva de si mesmo e muita amargura no coração por ter o indivíduo quebrado as promessas e ter descoberto que é fraco e que fracassou.
É esta, na realidade, a verdadeira raiz de seu descontentamento: não tanto saber que ofendeu a Deus, mas constatar a própria fraqu eza. Um sentimento de culpa que nasce mais do amor-próprio ferido que da consciência de ter “ferido” o Amor divino.
Olegalismo fornece os meios para o perfeccionista. Este, como nunca consegue cumprir perfeitamente a lei, enreda – se no labirinto da culpa que gera a escrupulosidade.
Deus nos quer SANTOS e não perfeitos.
Agrande descoberta de S. Paulo é que a lei é fonte de pecado, porque f az confiar nas próprias forças.
Cristo nos libertou do regime da lei e nos transportou para o regime da graça, que é a única que nos pode justificar diante do pecado.
Aperfeição n os coloca na relação com a Lei.
Asantidade, porém, nos coloca na relação com uma pessoa: Deus.
O escrupuloso é movido pelo perfeccionismo narcisista e não pela Graça amorosa de Deus e esta dinâmica enreda o sujeito na culpabilidade. O perfeccionista está essencialmente centrado em si mesmo, porque busca auto-justificar-se pelos seus méritos. É uma forma sutil de narcisismo. Há algo que o “eu” não saberá nem poderá jamais fazer: aceitar o próprio mal e perdoar-se. Por isso, entra no processo de condenação do “eu”. No fundo, não existe pior tirano que um “eu” ambicioso que só busca a si mesmo.
O surgimento de escrúpulos está ligado a uma consciência ainda imatura. Sente-se acometida por exigências qu e se impõem a partir de fora e não são trabalhadas e integradas no interior da consciência, porque não existe autonomia.
A consciência é transformada em serva da lei e não em instância de discernimento.
Sua função é a aplicação da lei e não a descoberta dos “sinais” da Vontade de Deus.
A consciência escrupulosa fica na materialidade da Lei e não capta o seu espírito.
A norma deve estar a serviço de algo maior: valor moral, dignidade huma na do outro, Vontade de Deus…
O escrupuloso não consegue ultrapassar a letra da lei e captar a exigência interna.
Escrúpulos impedem o trabalho interno da consciência de discernir, ponderar, interpretar…
As notas de S. Inácio sobre os escrúpulos distinguem entre “juízo errôneo” (EE. 346) e “perturbação interior” (EE. 34 7).
O primeiro é necessário rejeitar, porque induz ao erro, enquanto que a segunda pode ser de proveito espiritual, porque leva à purificação. Portanto, os escrúpulos podem surgir a partir da experiência da Graça (consciência mais delicada para perceber a grandeza do Amor e a pequenez pessoal). E a Graça de Deus não perturba, mas pacifica, harmoniza…
O problema está quando os escrúpulos surgem a partir do encontro da consciência com a Lei, gerando perturbação, sentimentos de culpa, conduta autopunitiva, necessidade de expiação…
O caminho da conversão dinamizado pela Graça cria maior sensibilidade ética e espiritual, sem suscitar perturbações e culpabilidades que desolam e afastam de Deus.
A consciência que se põe numa atitude de discernimento da Vontad e de Deus supera temores e culpas e cresce em sensibilidade e radicalidade na resposta às exigências do Evangelho.
Um exemplo: uma pessoa que, por falsa humildade, deixa de servir aos outros porque não se considera digna ou que um determinado serviço é ocasião para estima e honra pessoais. Em tais situações o serviço aos demais, em nome do Outro, o Rei Eterno, é que deve ser o critério da maior glória de Deus.
Muda-se a motivação para fazer o bem (para a maior glória de Deus), mas não se deixa de fazer o bem.
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