SUMÁRIO BÁSICO

O material abaixo foi retirado do Livro dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio e visa auxiliar os Núcleos Inacianos na recepção à pessoas novas em seus grupos.

1. O que são os Exercícios Espirituais?

Entende-se por Exercícios Espirituais (EE) qualquer modo de examinar a consciência, meditar, contemplar, orar vocal ou mentalmente e outras atividades espirituais (EE 12).

2. Como são os Exercícios Espirituais?

Assim como passear, caminhar e correr são exercícios corporais, chamam-se exercícios espirituais diversos modos de a pessoa se preparar e dispor (EE 1,3a).

3. Para que servem os Exercícios Espirituais?

Para tirar de si todas as afeições desordenadas, e depois de tirar estas, buscar e encontrar a vontade de Deus, na disposição da sua vida para sua salvação (EE 1,3b-4).

4. O que se busca nos Exercícios Espirituais?

A pessoa que contempla, tomando o verdadeiro fundamento da história, reflete e raciocina por si mesma. Quando encontra alguma coisa que a esclareça ou faça sentir mais a história, quer pelo seu próprio raciocínio, quer porque o entendimento é iluminado pela virtude divina, acaba por ter maior gosto e fruto espiritual do que se quem dá os exercícios explicasse e desenvolvesse muito o sentido da história. Porque, não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear internamente as coisas (EE 2).

5. O que é necessário para fazer os Exercícios Espirituais?

Muito aproveita entrar nos Exercícios, com grande ânimo e generosidade para com seu Criador e Senhor, oferecendo-lhe todo seu querer e liberdade, para que Deus se sirva, conforme a Sua santíssima vontade, tanto de sua pessoa como tudo o que possui (EE 5).

6. O que acontece nos Exercícios Espirituais?

Enquanto se busca a vontade divina, o Criador e Senhor se comunica à pessoa espiritual, abraçando-a em seu amor e louvor, e dispondo-a pelo caminho em que melhor O poderá servir no futuro (EE 15,3-4).

Pontos Importantes do Exercício Espiritual

Diversos pontos dos Exercícios Espirituais devem ser aprendidos e compreendidos ao se preparar uma experiência de oração inaciana. Não visamos esgotar o assunto, passar por toda a experiência, mas de preservar a integridade e circularidade dos EE. Cada oração contém em si as partes principais do todo. Se achar conveniente para melhor entendimento por parte dos participantes da experiência, se pode oferecer folhas avulsas, onde, de forma clara e sintética, possam ter este material.

a) Oração Preparatória

Os EE nos colocam com muita clareza que rezar é dialogar com Deus. Buscamos na oração um encontro, conhecer mais a Deus, desabafar, perguntar, pedir. Mas, todo diálogo supõe troca de ideias: um fala, outro escuta e depois o que falou escuta, o que ouvia agora coloca seus pensamentos. Surge aqui uma dificuldade. Quero e desejo ouvir a Deus, mas nem sempre isto é fácil. Necessito muitas vezes de um tradutor e este só pode ser o próprio Deus!

A “oração preparatória”, a qual está presente em todos os exercícios antes de todas as orações, vem em nosso socorro. Ela consiste em pedir:

 

“Graça a Deus Nosso Senhor para que todas as minhas intenções, ações e operações sejam ordenadas puramente ao serviço e louvor de Sua Divina Majestade” (EE 46 e outros).

 

Pedimos que o Espírito Santo nos coloque em sintonia com Ele e que nossos limites não atrapalhem a conversa. A oração preparatória rezada com convicção nos introduz no dinamismo de Deus, que nos quer livres e sustentados por Ele, com todo nosso ser comprometido. Não se trata de palavras ou conceitos, mas de compromisso concreto.

• Peço que todas as minhas intenções, isto é, todos os meus desejos estejam alinhados com Deus, em outras palavras, que a vontade de Deus seja a minha.
• Peço que todas as minhas ações, isto é, que todos os meus movimentos e impulsos, todas as coisas que faço, tenham a Deus como origem e fim.
• Peço que todas as minhas operações, isto é, que todos os processos que ocorrem em minha mente, dos quais resultam os atos concretos, sigam a lógica de Deus.

Nesta oração preparatória encontramos a essência do Princípio e Fundamento [EE 23], o qual permeia todas as orações, é o pano de fundo e horizonte dos EE. Ela expressa o desejo de ordenar e orientar a vida a Deus.

b) Pedido da Graça

Só caminha quem sabe por aonde ir e aonde quer chegar, senão fica-se a vaguear, perambulando de um lado a outro e por fim se cansa. O pedido de graça é como uma bússola que aponta para onde ir a cada oração. Santo Inácio diz no 2o preâmbulo: “pedir a Deus nosso Senhor o que quero e desejo” [EE 48,1].

Há diferença entre querer e desejar, ainda que possa parecer apenas um “reforço de linguagem”, uma forma de enfatizar. O querer é um ato voluntário, parte de um pensamento, da consciência, o desejo brota de forma espontânea, rápida e pode ou não levar a um querer, pode ou não ser valorizado e realizado. Devo tomar consciência de quais são meus desejos profundos, do que me move verdadeiramente, de quem quero ser… ainda que meu desejo seja frágil, o desejo de desejar já é acolhido por Deus, e Ele me ajuda, quando nem sei como falar, a entrar em diálogo, a rezar. Posso tornar meu desejo num querer, e posso querer desejar algo, ser uma pessoa integrada, inteira, com foco e direção, unindo o desejo ao querer.

Todo progresso espiritual depende da graça: “Se alguém disser que a graça de Deus pode ser dada segundo a vontade humana e não é a graça mesma que nos faz pedir contradiz o Apóstolo, que diz: O que tens que não recebeste?” (Rm 10,20).

O pedido de graça é específico para cada etapa dos EE (Semana), pois é adaptado à matéria que é proposta [EE 48,2]. Expressar o desejo antes de cada tempo de oração é “a corda” que não me permite sair do caminho, especialmente quando ele é escarpado, ou quando parece haver uma correnteza que me arrasta, por exemplo, quando durante a oração encontro distrações.

O pedido de graça purifica meu querer e me coloca na posição de criatura, amada e buscada por Deus. Ao pedir a Deus Nosso Senhor o que quero e desejo em oração, expresso em realidade aquilo que o Senhor desperta em mim, “Porque é Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar” (Fl 2,13).

Muito se aproveita ao fazer a revisão da oração refletir se obteve a graça pedida, e se de fato desejo a graça pedida.

c) Passos da Oração

1º Entro em oração: Busque um lugar tranquilo, onde possa estar sozinho e concentrado. Marque um tempo razoável para a experiência (30 minutos? Uma hora?). Separe com antecedência a matéria de oração. Em silêncio, imagine que Deus está perto e te escuta.

2º Na presença de Deus: Inicie a oração sentada, de pé ou de joelhos, como ajudar mais. Faça o sinal da Cruz. Peça ao Pai que envie o Espírito Santo, para que minhas operações, intenções e ações desejos estejam inteiramente voltados para Deus.

3º. Ler com fé a Palavra, meditar ou contemplar o que o texto anuncia e revela. Ler o texto bíblico devagar, pedacinho por pedacinho, sentindo que o Senhor está “atrás” de cada palavra. Imagine o lugar ou ambiente onde a passagem bíblica acontece e peça ao Senhor o que precisa e deseja e o que a passagem bíblica quer lhe doar. Na meditação: usa-se a memória (recordar), a inteligência (compreender e aplicar à vida) e a vontade (desejar, pedir, agradecer, louvar, adorar, amar…). Na contemplação (Mistérios da vida de Jesus da 2ª, 3ª e 4ª semanas): “vê-se” interiormente o Senhor, “ouve-se” o que Ele diz e quer lhe dizer e “participa-se” da cena evangélica como se presente estivesse, se atenta aos sentimentos, suas ações,  refletindo sobre em si mesmo, se colocando “na pele” dos personagens, sem pressa, pois não é preciso “terminar” o texto, mas sentir e saborear interiormente enquanto encontrar alimento interior. Não se apresse em tirar mensagens.

4º. Colóquio espiritual: Tenha o maior carinho e reverência quando falar diretamente ao Senhor. Peça, agradeça ou adore. Converse com o Senhor no seu coração, falando com seu Salvador, como quem precisa de salvação, como filho com o Pai ou um amigo com o Amigo [EE 54]. Continue atento às “moções” interiores sentidas e experimentadas. Encerre rezando o Pai Nosso, o Glória ou a Ave-Maria.

5º. Por último, a revisão da oração. Terminado o tempo de oração, examine brevemente como foi o EE, perguntando: alcancei a graça pedida? Fui fiel aos passos da oração? Tive alguma dificuldade? Como me senti? Qual sentimento predominou? Qual Palavra, frase ou imagem mais me       marcou?

d) Revisão da Oração e Registro

A revisão da oração é um ponto fundamental nos  EE,  o “termômetro” do aprendizado desta forma de rezar e, principalmente, do discernimento espiritual, visando o crescimento espiritual, o contato íntimo com o Senhor. Aceitamos a dificuldade em aprender uma língua estrangeira, a dirigir um veículo, a tudo o que hoje sabemos, e lembremos, não nascemos sabendo. Aprende-se vendo, ouvindo, tocando, deixando-se “impregnar” e “decodificar” pelo significado de cada coisa ou evento.

“Rezar é por o coração de molho na água de Jesus” (Pe.Álvaro Barreiro). É o encontro de duas liberdades: a da pessoa que ora e a de Deus. O resultado deste encontro depende tanto da pessoa quanto de Deus. A observação e reflexão das “reações afetivas”, parte constitutiva da aprendizagem, destaca-se na pedagogia inaciana. Os movimentos que se experimentam em nosso íntimo, no nível mais profundo, os sentimentos, influenciam nosso comportamento, as escolhas que fazemos e o rumo pra o qual orientamos nossa vida.

Não é fácil “acessar” nosso mundo interior. Mesmo quando conseguimos “dar nome” a um sentimento, nem sempre descobrimos de fato sua origem, mas, o que de fato importa são a interpretação e a avaliação que fazemos, é perceber a direção para a qual nosso espírito se move.

Os sentimentos provocados pela ação de Deus, pela vida e pelos acontecimentos, são a “escola que nos ensina” a crescer na vida espiritual, no conhecimento verdadeiro de Deus Encarnado.

Os passos propostos para a revisão da oração serão “nossa cartilha”. Lembrar sempre que não é “cobrança”, mas sim um momento de diálogo franco e amoroso consigo mesmo.

Pontos que dependem da pessoa:

• Fiz-me presente ao Senhor?
• Fui fiel ao tempo de oração?
• O lugar que escolhi, minha posição corporal foram bons para a oração? Ajudou na minha concentração?
• Fiz a oração preparatória com gosto?
• Pedi a graça sugerida ou que desejo?
• Li o texto bíblico com calma?
• Fiz o colóquio de despedida ao final?
• Estive atento ao que me foi dado sentir?
• Rezei o que senti? Rezei a minha verdade?

Pontos que dependem de Deus:

• A graça pedida foi ou está sendo concedida?
• Quais os sentimentos predominantes durante a minha oração? Que sentimento/os experimentei?

– Positivos: paz, alegria, confiança, ânimo, abertura, coragem, experiência do sentido da vida?
– Negativos: angústia, tristeza, desconfiança, desânimo, fechamento, obscuridade, confusão.

• O que provocou estes sentimentos em mim? Foram pensamentos? Versículo ou palavra da Escritura? Quais?
• Qual ponto (palavra/pensamento/imagem) efetivamente mais me tocou?
• Senti algum apelo? Desejo? Inspiração? Resolução? Criatividade? Já antes, em alguma ocasião ou época da minha vida havia sentido algum apelo, desejo parecido? Quando? Como respondi a ele até hoje?
• Senti alguma dificuldade, resistência, repugnância, indolência, aridez, medo diante desses desejos, apelos?

Anoto a data, o texto rezado e o que foi mais significativo, de forma sucinta, em poucas palavras. Terminar com uma breve oração de louvor, de agradecimento, de petição.

O tempo de oração pode ter sido agradável ou não. Pode ter gerado inspirações enquanto outras vezes parece que foi “tempo perdido”, que o texto “estava errado”. O principal não são as “ideias bonitas”, mas perceber a presença de Deus, Sua proximidade, ou não. Podemos sintetizar isto em dois termos: consolação ou desolação.

É sempre útil examinar o que mais ajudou e o que mais atrapalhou na oração para que possa melhor orar nos próximos momentos. Anotar a revisão da oração permite perceber as “pegadas” de Deus, e, como nos diz o poeta Antonio Machado: “Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”.

e) Grupo de Partilha

A partilha em pequenos grupos é um modo de rezar, no qual cada um dos membros do grupo coloca as suas experiências enquanto outros escutam numa atitude de sincero e fraterno acolhimento. Partilhar é diferente de fazer um estudo, de discutir ou de debater um assunto. Partilhar é colocar-se diante de Deus e dos irmãos, comunicando – num clima de silêncio e de recolhimento – aquilo que o Senhor mesmo falou ao nosso coração nos momentos de oração pessoal, nas celebrações ou em outras situações do encontro/retiro.

A partilha tem, pois, um caráter espiritual, já que somos chamados a partilhar aquilo que Deus mesmo foi revelando no nosso íntimo. Possível Roteiro para a Partilha:

• Começar com alguma oração ou canto que ajude a criar um clima de acolhida e de recolhimento.
• Breves palavras do acompanhante do grupo, recordando o sentido da partilha e motivando o grupo para este momento.
• A partilha propriamente dita: por em comum as experiências, sentimentos, apelos e outras moções surgidos e vivenciados na oração.
• Ao longo da partilha podem ser entremeados alguns refrões apropriados. Mas, também pode, se preferirem, manter um silêncio de escuta e assimilação interior da experiência do outro.
• De um modo espontâneo, a partilha pode terminar em preces, dirigidas diretamente ao Senhor, a Quem pedimos, agradecemos, louvamos, etc.
• A oração partilhada deve ser concluída, isto é, deve ter um encerramento que corresponde a uma despedida de filhos (em relação a Deus) e de irmãos (em relação aos companheiros do grupo de partilha). Por isso, evitar acabar de repente (porque o tempo estourou). Pode-se concluir com alguma oração vocal, com um pequeno canto ou alguma breve dinâmica de oração em comum.

Algumas outras dicas para o Acompanhante

O que se deve partilhar é o que se rezou! Por isso, o principal papel do acompanhante é zelar para que não se desvie desse objetivo. Para tanto, deve-se recordar com a devida caridade, mas com insistência, a importância da revisão da oração. Deve também cuidar para que no grupo não se iniciem outros assuntos, nem que sejam tecidos comentários a partir do que se lembra na hora em que os demais estão partilhando.

É importante ainda estar atento para que todos se sintam acolhidos no grupo e que todos participem, repetindo a liberdade pessoal. Ao acompanhante não convém que intervenha demais, mas deve ser aquele que favorece que os mais tímidos se sintam à vontade para dizer uma palavra, bem como aquele que cuida pata que ninguém fale demais ou se detenha em longas explicações desnecessárias ou julgue e rebata colocações de outro.

f) Consolação e Desolação

Já no início dos EE, na 6ª anotação se encontra os termos: desolação e consolação: “Quando quem dá os exercícios sente que o que se exercita não lhe vem alguma moção espiritual, tais como consolação ou desolação, nem é agitado por vários espíritos, interrogue-o muito se os faz nos tempos marcados e como” [EE 6].
Santo Inácio nos fala com clareza que não se trata de sentimento, mas de estado de espírito ou de alma. São moções espirituais, portanto originadas fora de mim, mas que produzem efeito interior na pessoa que reza, que busca esta intimidade, o conhecimento íntimo de Deus.

Em vários momentos Santo Inácio torna a destacar tanto a consolação quanto a desolação, apontando possíveis causas e efeitos das mesmas, aconselhando modos de agir, de acordo com o tipo de moção, o momento dos EE e a pessoa que reza, alertando sempre a quem dá os EE estar atento às moções de quem os faz.
Tanto a consolação quanto a desolação estão em direta relação com Deus, não com acontecimentos pessoais ou estados de ânimo, alegria ou tristeza, o que requer atenção e discernimento.

Pe. Adroaldo, SJ ressalta a etimologia dos termos: con-solação = com solo; des-solação = sem solo, e nosso solo é Deus! A moção, portanto, é sentida em nosso interior como maior ou menor proximidade a Deus.

Quando sentimos consolação, proximidade de Deus, seja com ou sem causa, compreendemos os discípulos de Emaús: “Não ardia nosso coração enquanto Ele nos falava?”[Lc 24,32]. Há um ardor, uma paixão, um aumento no amor, que leva a um aumento da fé, da esperança e do amor: crescem em nós as virtudes teologias [EE 316]. Só mesmo Deus pode penetrar no mais íntimo de cada pessoa [EE 237. 329. 330], só Ele pode tocar e provocar tal fervor e zelo que como resposta gratuita e confiante e o desejo de mais amar [Magis], de mais intimidade, de testemunhar tão grande amor, de fazer algo – há um apelo de abertura a Deus e aos outros,
Tal experiência de Deus deixa marcas, assinala o cristão para o maior serviço de Deus, no concreto de seu cotidiano. É lembrança viva, memorial, da relação de quem reza e Deus, até a hora é recordada, como lemos nos Evangelhos várias vezes. A verdadeira consolação remete a Deus e aos irmãos, um único movimento, que unifica e pacifica, daí o sentimento de paz que a caracteriza.

A desolação, como um negativo da consolação, tem um amargo sabor de pensar-se distante de Deus. Há um sentimento de solidão, de não pertença, como se não houvesse sentido o que se crê, o que se deseja, a esperança enfraquece, uma névoa parece encobrir a vida, que pode se tornar uma escuridão. No lugar de confiança e ânimo instala-se medo, desânimo; ao invés do querer anunciar, o desejo é de se esconder, se fechar, deixar os planos, como se fossem pouco importantes. A desolação inquieta, incomoda, questiona.

A oração torna-se árida, sem sabor, o tempo parece mais longo. Não se trata, portanto, de depressão ou simples tristeza, mas de uma moção interior, que pode se manifestar com sentimentos negativos e fechamento.

Vale ressaltar que alguns pensam ter “rezado mal” por não terem sentido moções durante o tempo de oração. De fato, Santo Inácio nos alerta para verificar a fidelidade ao tempo de oração, preâmbulos e adições, pois pode ser fruto de alguma negligência, mas nem sempre é.

Identificar a desolação e auxiliar a quem reza atravessar este tempo é tarefa delicada e importante, como nos alerta Pe. Geza,SJ: “ O “tempo sem moções espirituais” nos Exercícios implica certa ambiguidade, uma vez que pode provir de causas diversas (por exemplo: da falta de generosidade ou de uma prova de Deus ou do “tempo tranqüilo”). É preciso descobrir a causa deste estado interior, para se trabalhar adequadamente (cf. Pe. Géza, p. 19).

As moções nos educam, nos fortalecem e nos aproximam do Deus verdadeiro, ajudam a ordenar-se e a crescer na liberdade, no amor, sem buscar “recompensas” nem temer o desconhecido, mas colocando nossa confiança apenas em Deus, seguindo as pegadas de Jesus Cristo

g) Meditação

A meditação é uma forma de rezar muito antiga, que busca a Deus através do silêncio, da quietude exterior e interior, através das Palavras, que encadeiam pensamentos, lembranças, vivências, num dinamismo de aprofundamento e aplicação à vida. Meditar é pensar com o coração.

Nos EE, já no início, Santo Inácio fala de “modo e ordem para meditar ou contemplar” [EE 2], e explicita mais sobre meditação nos exercícios da Primeira Semana ao dizer “meditação com as três potências” [EE 45], a saber, a memória, o entendimento e a vontade, como diz depois: “exercitar a memória sobre o primeiro pecado, que foi o dos anjos, e logo, sobre o mesmo, o entendimento discorrendo, depois, a vontade, querendo recordar e entender tudo isto para…”[EE 50]

A memória nos preâmbulo: composição de lugar, recordar a história e então o entendimento, no “refletir para tirar proveito”, isto é, deixar que a vida pessoal seja iluminada pela Palavra, que a compreensão dos acontecimentos, dos projetos, seja dentro do modo de ser e proceder de Jesus Cristo. Por fim, a vontade, que fortalecida pela Palavra, pelo desejo de mais amar e servir a Deus, à luz da graça pedida, se concretize em gestos evangélicos.
Em muitos exercícios Santo Inácio sugere o modo de rezar: considerar, meditar, contemplar…. Não se trata de imposição, mas de sugestão. A meditação inaciana, como todas as orações, se segue aos preâmbulos: colocar-se na presença de Deus, oração preparatória, composição de lugar, pedido de graça. A leitura pausada, refletida, atenta da Palavra é o fio condutor da meditação, sem que se tenha obrigação de “dar conta” de todo o texto, mas de ler sem pressa e, como diz Santo Inácio, “no ponto em que achar o que quero, aí repousarei, sem ter ânsia de passar adiante, até que me satisfaça” [EE 76. 254], isto é, onde encontrar moção ou gosto espiritual [EE 227] eu me detenho e medito.

Termina-se a oração com o colóquio, uma oração formal e depois, conforme a 5a Adição “depois de acabado o exercício, por espaço de um quarto de hora, ou sentado ou passeando, observarei como me correram as coisas na contemplação ou meditação” [EE 77].

h) Contemplação

Ordinariamente, contemplar é ficar parado, sem dizer nada, olhando, escutando e deixando-se afetar (por uma obra de arte, uma paisagem, o rumor da água, o movimento do mar, etc.). Saborear, admirar, deixar-se comover pelo que produz em nós a visão, a escuta das coisas ou os sentidos do olfato, paladar ou tato.

Na perspectiva da espiritualidade cristã, contemplar implica colocar as funções dos sentidos a serviço da fé (registrando o Mistério oculto e revelado na realidade visível: Deus e seu Amor, em seu desígnio de libertação). É “abrir o campo de visão de uma pessoa e estar com Cristo”.

Este modo de orar se adapta bem às cenas bíblicas nas quais há personagens que podemos olhar e escutar. Os preâmbulos habituais tem aqui um maior sentido:

– Ver a Cena da Passagem a ser Rezada. A passagem da história evangélica não é uma imagem piedosa, mas eco de uma realidade vivida e relida: o Senhor na história dos homens.
– Fixar a atenção no lugar geográfico ou simbólico (montanha, mar, etc) ou no estado de espírito humano.
– Graça a ser pedida: pedido no sentido de “VER” as pessoas, “ESCUTAR” o que falam, “OBSERVAR” o que fazem e, em cada etapa, “REFLETIR” para tirar proveito.

As Pessoas na cena: ver quem são (elas tem um nome, uma história, um temperamento, um sofrimento); Contemplá-los, não como uma coleção de estampas piedosas, mas como realidade: homens e mulheres. Buscar compreender, sentir e conhecer internamente.

Escutar o que Dizem (as palavras, os silêncios): procurar escutar as palavras como se estivesse presente, ou fossem dirigidas a diretamente a si, ou fosse eu mesmo quem as pronunciasse. Sentir o tom, a intenção. Ponderar seu alcance.

Ver o que Fazem: Os gestos, as atitudes, ações, reações (verbos). Estas são ações de Deus, ou da pessoa (portanto, minhas) para com Deus. Posso constatar seu sentido, ou alguma coisa minha, meu desejo, minha resistência, ou descobrir em tudo isso o rosto de Deus. Toco-o com a mão, em vez de “fazer disso uma teoria”.

Refletir e TIRAR PROVEITO: É possível que este “eco”, este reflexo tenha lugar sem palavras, no momento, e que só no diálogo final com o Senhor, ou na revisão da oração venha a formulá-lo com palavras.

No final, entretenho-me com o Senhor ou com algumas das pessoas (colóquio). É possível que ao retomar, ao repetir uma passagem do texto, sinta paz ao viver a cena de perto, até o ponto de contemplá-la não só com a vista e ouvido, mas também com o tato, o olfato e o gosto. Todos os meus sentidos oram, prova de que minha oração se simplificou, se unificou, que meu CORPO e meu SER deixam que a Palavra de Deus lhes fale.

Alguns comentários para os orientadores

– Não pensar que a contemplação evangélica está reservada aos “profissionais” da oração. Não confundir a contemplação evangélica, aqui apresentada, com uma oração unitiva, mística, embora possa ser um caminho para chegar a esta.

– Não classificar as diversas formas de oração segundo uma hierarquia de valores: meditar ou orar ao compasso da respiração são também importantes.

– Não ter ansiedade por “viver coisas espirituais”. O que ajudará não é a ânsia, mas a simplicidade no descentrar-se de si mesmo. Simplesmente “ver, escutar”. Demorar-se, dar o tempo necessário sem querer ver tudo, esgotando toda a cena.

– Não separar, de maneira forçada, o “ver” e o “escutar”, quando tendem a ir juntos. As etapas distintas estão aí para nos ajudar e não para nos bitolar.

– O nível da contemplação não deve ser muito “alto” (permanecer em altas considerações bíblicas ou teológicas) nem muito “baixo” (permanecer em meros sentimentos piedosos, beirando o sentimentalismo).

– Neste modo de ORAR pelos sentidos, nossa inteligência, nossa intuição teológica e a fé da Igreja oferecem boas garantias no uso da imaginação.

– A excessiva preocupação com questões pessoais pode impedir a contemplação do Senhor. Nesse caso seria melhor orar sobre minha vida ou meditar um texto, em lugar de orar “à margem” dos problemas que me afligem.

i) Exame do Consciente

Em nosso coração há sempre algum movimento profundo que é manifestação da ação de Deus no mais íntimo de cada um. S. Agostinho cunhará a expressão de que Deus é “mais íntimo que nossa própria intimidade”. Esta presença é fonte de vida espiritual, e flui com diferentes “moções” que nos fazem sentir perto d’Aquele que já está perto.

O exame do consciente é um tempo de oração que nos faz ter acesso ao nosso núcleo essencial, expande nossa interioridade e nos torna mais profundos e sensíveis aos sutis “toques” do Senhor que nos guiam em seu seguimento. O exame é um meio importante para buscar e encontrar a Deus em tudo e não somente no tempo da oração.

O exame, como “pausa diária”, constitui-se um tempo de pacificação, de integração espiritual, precisamente para “ler” a jornada com os olhos de Deus – “por onde passa meu Senhor” -, dando especial atenção aos movimentos interiores suscitados pela presença e agir do Senhor. É discernir as “moções” de Deus que nos fala ao coração pelos acontecimentos, é retificação do rumo para o necessário crescimento humano e cristão. Trata-se de um tempo privilegiado para fazer mais profunda nossa vida cotidiana.

Diferença entre “exame do consciente” e “exame de consciência”.

O exame de consciência é marcado, muitas vezes, por tonalidades moralistas. A preocupação principal está centrada em “nomear” ações boas ou más que fizemos durante o dia, focando em nós mesmos e marcados pelo passado. O exame de consciência desperta sentimentos doentios de culpa, autojulgamento, visão pessimista de nós mesmos, caindo no desânimo e impotência.

No “exame do consciente”, pelo contrário, a preocupação primeira não se centra na moralidade das ações boas ou más, senão em captar como o Senhor atua em nós, para nós e como nos move, no mais profundo de nosso consciente afetivo. Trata-se de considerar a “atração” do Pai e o impulso do Espírito em nosso cotidiano. Esse discernimento desemboca em decisões maduras, radicais, profundas e amplas.

Os cinco passos do exercício do “exame do consciente”:

– Coloco-me na presença de Deus numa atitude de pobre e com um coração agradecido.
– Peço luz a Deus para entrar em meu próprio coração e poder discernir quem o move ou o habita.
– Repasso o dia procurando descobrir as “pegadas” de Deus em minha vida.
– Examino meu coração à luz de Deus. Recordo (visito de novo com o coração) como me fiz dom ao Senhor, como me fiz presente a Ele e como O fiz presente, como trabalhei por Ele e com Ele, como difundi Sua maneira de ser. Examino quê “espírito” me moveu durante o dia; moções que tive, luzes, inspirações, apelos.
– Dou graças, peço perdão: é no encontro com o Amor do Senhor que descubro minha fraqueza, infidelidade e onde experimento a alegria e a paz pelas minhas respostas positivas. A contrição e o arrependimento é confiança no perdão e no amor de Deus.