Publicamos o artigo do Kennedy Barros, um leigo que recentemente fez em Itaici os Exercícios de sete dias. A experiência do Caminho de Santiago tem muito em comum com os Exercícios de santo Inácio, o peregrino. Trata-se de dois itinerários que têm duas dimensões exteriores e interiores entrelaçadas. São tempos fortes de espiritualidade integradora. Fica o convite a outras pessoas que quiserem partilhar no blog suas experiências pessoais.

OS PASSOS DE COMPOSTELA

Quais motivos levam alguém a caminhar, voluntariamente, 800 km? Distúrbios emocionais, espírito de aventura, consciência ecológica ou fé?
Engana-se quem imaginar ser fácil dar a resposta a este inquietante questionamento, que afinal é feito, à exaustão, por quem se decide por percorrer o esplêndido caminho de Santiago de Compostela.

O primeiro contato que tive com esta caminhada foi no ano de 1999, durante visita que fiz a alguns santuários europeus, como Lourdes – na França, Fátima – em Portugal, e Compostela – na Espanha, onde assistindo a uma missa, presenciei a chegada emocionante de diversos peregrinos, que relatavam a exaustiva, mas maravilhosa, experiência da caminhada. Impressionaram-me tanto os relatos que resolvi amadurecer a idéia de vivenciar esta experiência.

Por que eu faria o caminho? Para conhecê-lo, para vivenciar a experiência de peregrinos do mundo todo, para fazer uma introspecção e refletir sobre a vida, para agradecer a Deus por tantas coisas boas que Ele me concede, para desafiar as minhas forças, para contar, posteriormente, como faço agora, a experiência vivida.

A caminhada se inicia na cidade de Saint Jean Pied Port, na França, tendo como companhia apenas uma mochila, de aproximadamente 10 kg, com o mínimo necessário para a jornada. Já aqui há uma constatação que gostaria de compartilhar: o peso da mochila é levado em consideração, de modo que quanto menos levarmos, melhor. Ocorre que durante a caminhada, com o castigo do peso da mochila, você percebe que poderia ter trazido ainda menos do que trouxe: menos medicamentos, menos roupas, enfim, menos provisão. Assim é a vida: o homem se cerca de tantas coisas, procura acumular tantos bens materiais, mas, em determinado momento da sua existência, percebe que nada daquilo é essencial, antes, ao contrário, torna-se mesmo um fardo. A mochila, portanto, é um peso desnecessário, que atrapalha o percurso. Melhor é munir-se de esperança, de fé, de determinação, de força de vontade.

Há dias em que se caminha 50 km, outros em que apenas 30 km ou ainda menos. Tudo depende do seu estado de espírito, da beleza e das dificuldades do caminho, e, como não poderia deixar de ser, do seu estado de saúde, porquanto os pés vão inchando, as pernas e a coluna vão doendo e as unhas dos pés vão caindo – eu perdi 3 delas.

Os pernoites se dão em albergues, equipados com beliches nada confortáveis e banheiros coletivos, com quase nenhuma privacidade. Apesar de tudo, ao serem avistados, ao final de cada de dia de dura caminhada, é como se se estivesse em um paraíso, porquanto ao lado do desconforto material, o conforto do dever cumprido; ao lado do cansaço do corpo, o descanso e a paz do espírito. Acredito que o mesmo se dá com a vida: o melhor conforto não é proporcionado pela matéria, mas pelo espírito.

Nos projetos pessoais de vida há tempo para tudo: lazer, intelecto, relação social, mas, infelizmente, pouco ou quase nenhum tempo para a espiritualidade. No caminho de Compostela não há como não se comparar, cotejar, permanentemente, o material com o espiritual, com enorme ascendência ou prevalência deste último.

Nesta incessante caminhada que é a nossa vida, existem os momentos de alegria e sorriso, mas também nos deparamos com os de dor e de lágrimas. Em Compostela também há dor e lágrimas, mas elas são relativizadas pela alegria da vitória, coisa aparentemente simples: vitória de ter chegado lá, vivido mais um dia, cumprido mais uma jornada.

Os seres humanos, de um modo geral, têm muito barulho interior, decorrência dos tempos modernos, que trás como consequência a absolutização do mundo e a relativização de Deus. Deparamo-nos, no auge do nosso barulho interior, com os chamados momentos de provação, e, no vazio espiritual, temos dificuldade de viver e aceitá-los. O caminho de Santiago é uma pausa, ou melhor, um silêncio nesse barulho. E nele está uma oportunidade para avaliarmos os passos já percorridos na vida, bem como os que serão trilhados.

No caminho de Compostela enxergamos, claramente, os nossos limites físicos e psicológicos, mas também as nossas virtudes e a doçura da superação. O ambiente fraterno do caminho, a solidão, a saudade de casa e dos amigos, as lágrimas derramadas e superação de tudo isso nos leva à mais perfeita comunhão com Deus.

Os passos dados no caminho de Santiago de Compostela fortaleceram a minha convicção de que o nosso caminho é feito por nós, guiados por Deus.

por Kennedy Barros

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